14 outubro, 2016

Kant e a Morte da Metafísica (PARTE II)


Qual a importância do SER?






Aristóteles percebeu que os seres poderiam ser classificados de acordo com suas semelhanças e diferenças. Notou que, embora diferentes e distantes, os seres guardavam semelhanças entre si. A essa síntese entre o semelhante e o diferente damos o nome de analogia entis (analogia do ser). A partir de agora, os seres seriam classificados em reinos, filos, classes, ordens, famílias, gêneros, espécies, etc., ou seja, partindo-se de seus caracteres mais universais e findando nos caracteres mais específicos.
Aristóteles observou que esses reinos formavam uma cadeia hierárquica de complexidade, que iniciava nos minerais e acabava nos seres humanos. Concluiu que a forma mais objetiva de representar um ser seria através de um gênero próximo (ex. animal) e duma diferença específica (ex. racional). Logo, o homem é um animal racional (gênero próximo + diferença específica). É isso que fazem os dicionários quando querem representar um ser, desde então.

Quanto ao SER, há que se fazer uma distinção entre o “onto” e o “ente”. SER ontológico (onto) é o SER na essência, ou seja, aquilo que faz o SER o que ele é; e o SER “sendo” (ente) é o SER enquanto significante, ou seja, o SER como ele se apresenta (o SER como ele está). O SER ontológico possui várias potências, enquanto o SER “enteológico” possui alguns dos possíveis acidentes. Potência é aquilo que é movido ou que pode mover-se. Acidente é uma ocorrência imprevisível, fortuita. Para Aristóteles, as essências residem no próprio SER. A essência do SER é a sua substância. Substância, por sua vez, corresponde à soma das causas material e formal. Para que as coisas existam e possam ser conhecidas, existem quatro causas: formal, material, eficiente e final.

Por exemplo, uma pessoa caminha pela rua e encontra um relógio de pulso. Ao reconhecer que é um relógio de pulso, a pessoa identificou a causa formal; Ao verificar que era de aço inoxidável, a pessoa identificou a causa material; ao concluir que foi obra de um relojoeiro, identificou-se a causa eficiente e; ao reconhecer que um relógio serve para dar as horas, a pessoa identificou a causa final, ou finalidade do ser. Ora, se a substância ou essência do SER corresponde à soma das causas formal e material e, não podendo a matéria do SER ocupar o pensamento do sujeito cognoscente, é a causa formal do SER que opera n potência racional. A causa formal reside tanto no SER, quanto na memória do sujeito cognoscente. A diferença é que a causa formal contida no SER, chama-se forma acidental e a causa formal contida no sujeito cognoscente chama-se forma substancial. É por isso que para nomear os seres utilizamos um substantivo.

Mas se a essência do SER reside nele mesmo, onde fica, na nossa mente, o significado, a ideia conceitual que temos ao ver o SER? Obviamente, os objetos conhecidos não caberiam, fisicamente, no nosso cérebro. As ideias que fazemos dos seres são na verdade o “Ato de Conhecer”. O Ato de Conhecer é possível graças às causas do SER (formal, material, eficiente e final) que são percebidas por nossos sentidos. Ocorre que nossos sentidos externos (visão, audição, paladar...) só podem perceber as características particulares do SER, os acidentes. São os sentidos internos que identificam o significado ontológico (essência) dos seres. São sentidos internos o senso comum, a fantasia, a imaginação, a estimativa e a memória. Para Aristóteles os sentidos internos residem na alma (anima – princípio motriz). Para São Tomás de Aquino (1225 - 1274), essa Alma Sensitiva divide-se em duas faculdades: Conhecer (faculdade cognoscitiva) e Desejar (faculdade apetitiva).

Segundo Francisco Suarez (1548 - 1617), “conhecer é um acidente imaterial da potência intelectiva”. Notemos que a “faculdade cognoscitiva” de São Tomás e a “potência intelectiva” de Suarez são a mesma coisa. Note-se também que o conhecimento só é possível, porque existe uma alma, na qual residem os sentidos internos e porque existem as essências, que são os atributos universais do SER, no SER. Os universais do SER são as características que possibilitam a sua significação e classificação... Resumindo: a essência do SER (causa material + causa formal) reside nele mesmo, assim como a causa final e a causa eficiente; nossos sentidos externos têm acesso ao SER; nossos sentidos internos, que residem na alma sensitiva, identificam as causas do SER e formulam maiores juízos sobre seus universais e seus acidentes. Esse processo, grosso modo, é o Ato de Conhecer. Mas o que diz o kantismo?

O kantismo nega o “onto”, a verdade ontológica. Para o kantismo, os universais do SER são meras convenções. Ou seja, cada vaca é um ser singular, que não guarda relação com as outras vacas. Ora, façamos uma reflexão simples: ao dizermos “todas as vacas são singulares”, estamos dizendo que cada elemento do conjunto VACA não guarda nenhuma semelhança com os demais elementos. É o mesmo que dizer que “nenhum elemento desse conjunto pode pertencer a esse conjunto”. Logo, não há sentido existir uma palavra “vaca” para designá-los; não há sentido em haver conjunto, nem elementos; não há sentido em se falar “todas as vacas”. A frase “todas as vacas são singulares” em si é uma falácia lógica denominada “non sequitur”, incapaz de enganar qualquer pessoa com conhecimento raso em Lógica Formal.



Mas é assim tão simples? Sim, é.

Bruno Silveira

Continua...

Veja a parte I aqui
Veja a parte III aqui


Insira seu e-mail e receba nossas atualizações: