20 julho, 2020

O CAMPO DE SANTANA: DAS LAVADEIRAS À REPÚBLICA


                                                                                     Por Paulo Eduardo Razuk

                                                                    
                  No século XVII, no Rio de Janeiro, o Campo das Lavadeiras devia seu nome às muitas bicas d’água que lá havia e por elas eram utilizadas.
                                                                    
O Campo e a Igreja de Santana, em 1817. Gravura de Thomas Enders. Academia de Belas Artes de Viena, domínio público
              Em 1735, os membros da Irmandade de Santana ali ergueram a sua capela, passando o Campo a chamar-se de Santana. Essa capela foi demolida para a construção da primeira estação inicial da Estrada de Ferro Pedro II, hoje Central do Brasil. Em 1870, a igreja foi reconstruída na Rua das Flores, depois de Santana, onde permanece,  próxima do Campo.
                                                                    
              Em 1811, sob D. João VI, o Campo foi escolhido pelo Conde de Linhares,  Ministro da Guerra, para o exercício da tropa, lá tendo sido erguido o Quartel General do Exército, depois demolido para dar lugar ao Palácio da Guerra, hoje Comando Militar do Leste.
                                                                    
              Ainda sob D. João VI, o Campo veio a ser dotado de um jardim, tendo sido a forma atual dada em 1873 pelo paisagista francês Auguste François Marie Glaziou, também responsável pelo Passeio Público e pelo parque da Quinta da Boa Vista, durante o gabinete do Visconde do Rio Branco.
                                                                    
                Em 12 de outubro de 1822, de um palacete de madeira lá erguido, D. Pedro I foi aclamado pelo povo como Imperador do Brasil, tendo sido o Campo rebatizado como da Aclamação.

                Em 7 de abril de 1831, em face da abdicação de D. Pedro I,  o nome do lugar chegou a ser alterado para Campo de Honra, que não vingou, continuando a ser da Aclamação até a República, embora o povo teime a chamá-lo de Santana.


                  Em 15 de novembro de 1889, lá se desenrolou o drama da queda da monarquia. A questão militar não passava de uma questão disciplinar, transformada em política. Naquele dia, pela manhã, o General Manuel Deodoro da Fonseca,  sem comando, montado no manso cavalo baio nº6 do I Esquadrão do 1º Regimento de Cavalaria, fora saudar a tropa revoltosa, como foi retratado por Henrique Bernardelli no quadro Marechal Deodoro. Mas ainda não era a República, visto que exigia somente a renúncia do gabinete liberal do  Visconde de Ouro Preto.
                                                                  
                 Os republicanos eram uma minoria radical, sem penetração popular, em que se destacavam militares adeptos do positivismo de Augusto Comte e de civis filiados à maçonaria. Estavam com pressa, para evitar a posse da nova Câmara dos Deputados, em 20 de novembro de 1889, para a qual o Partido Republicano não lograra eleger ninguém,  e também para que não acontecesse o jubileu de ouro de D. Pedro II, a dar-se em 23 de junho de 1890.
              
             Por segurança, o Ministério fora levado a reunir-se no Quartel General do Exército, no Campo de Santana, com a garantia do General Floriano Peixoto, Inspetor General. Era uma armadilha: quando recebeu a ordem do Primeiro Ministro de dissolver a tropa revoltada , não a acatou, a ela aderindo.  O Ministério estava preso!
            
             Naquela tarde, Ouro Preto foi apresentar a sua renúncia ao Imperador, o qual indicou o Senador gaúcho Gaspar da Silveira Martins para formar o novo Ministério. Foi um erro, pois o indicado era desafeto pessoal de Deodoro.

             No dia anterior, na Rua do Ouvidor, espalhara-se o boato (fake news?) de que o governo havia ordenado a prisão de Deodoro e de que pretendia dissolver o Exército e substituí-lo pela Guarda Nacional, o que era deslavada mentira, mas serviu para incitar a tropa à revolta.
                                                            
               Deodoro nunca fora republicano, somente havendo se decidido pela República naquela noite em reunião em sua casa, no mesmo Campo, hoje um museu. Alçado à Presidência, logo renunciaria e morreria em seguida.

           A alegoria de Benedito Calixto, na Pinacoteca do Estado, bem retrata que a República resultou de um golpe militar, com pouca participação civil, sem povo algum!

                Não houve nenhuma demonstração de entusiasmo popular. Como reconheceu o republicano Aristides Lobo,” o povo assistiu àquilo bestializado, atônito, surpreso, sem conhecer o que significava. Muitos acreditavam sinceramente estar vendo uma parada. Era fenômeno digno de ver-se”.

           Desde que as Forças Armadas tomaram de facto e não de direito do Imperador o Poder Moderador, passando a arbitrar as crises políticas, outros golpes militares viriam a suceder-se, em uma sequência que parece não ter fim.


Fontes:
Vivaldo Coaracy, Memórias da Cidade Do Rio de Janeiro, Livraria José Olympio Editora, Rio de Janeiro, 1955.
M. Pio Corrêa, O Cavalo que Proclamou a República, Editora Expressão e Cultura, Rio de Janeiro, 1999.
Brasil Gerson, História das Ruas do Rio, 5ª edição, Lacerda Editores, Rio de Janeiro, 2000.
Rio de Assis, Imagens Machadianas do Rio de Janeiro, Casa da Palavra.
Sítio da Arquidiocese do Rio de Janeiro/Paróquia de Sant’anna.