13 abril, 2020

CORÔNICAS

Mercado de Afogados. Algum mês de 2020.

Um pai vai às compras com a filha de 4 anos. Ela parecia estar meio febril, mas o pai insiste com a mãe em fazer um passeio com a menina, já que tinha que comprar alguma coisa na feira.

A filha e o pai andam naqueles becos entrecortados por passantes. Sol inclemente. Um pequeno grupo se aglomera na seção de carne quando um aparelho aparece voando por sobre suas cabeças. Um artefato chamado drone emite um alerta e em um forte sotaque pernambucano orienta as pessoas a manterem o distanciamento social.


O pai olha para a filha que lhe retribui um sorriso meio sem graça. De repente o drone aciona um sinal vermelho em direção à criança. O pai não entende e caminha meio desorientado.

Sem avisar chegada, dois agentes do município aparecem. No rosto uma máscara que dava aspecto de uma mosca, uma máscara sanitária preta e fechada. O som da voz sai meio gutural, como se emanado das entranhas de uma carvena.


Vou precisar levar essa menina, disse um dos agentes. Mas levar para onde, perguntou o pai confuso. Por que estão fazendo isso? O agente então explicou que ela não estava com a temperatura permitida pela municipalidade.

O pai desesperou e começou a chorar, pedir socorro. Os agentes isolaram a área com o reforço policial e deram ao pai uma sequência alfanumérica. Levaram a filha no carro, dando apertões na criança, que chorava sem nada entender.

Um outro agente apareceu para o pai e informou que aquela numeração era o localizador da filha e que poderia ir à secretaria de saúde do município, no prazo de dois dias, para saber onde a filha estava e quais as medidas que iriam tomar. O agente também falou que o pai deveria procurar um psiquiatra e que só poderia ter contato pessoal com a filha após provar que estava fazendo o tratamento, em pelo menos, cinco sessões.  Enlouquecido já não entendia mais nada.


Antônio Manuel, 13 de abril de 2020.