15 abril, 2020

A PANDEMIA E O BEM COMUM


O mundo assiste agoniado à pandemia causada pelo agora afamado “coronavírus” e medidas extremas, como a “quarentena” foram empregadas na maioria dos locais. Neste pequeno texto, pretendemos entender como está se dando a relação destas medidas com o bem comum e também com relação ao perigo do cientificismo.

Podemos definir o bem comum como o conjunto de condições externas adequadas a permitir o pleno desenvolvimento dos homens, das famílias e dos grupos sociais integrantes da sociedade. [1]

Bem comum não é a soma dos bens individuais, como se fundamenta falsamente o liberalismo e também o homem não se ordena à sociedade como uma parte em relação ao todo ( I-II, q.21, art. 4, 3) e é com base nesta falsa visão que se baseiam as doutrinas totalitárias (comunismo, nazismo etc.).[2]

Bem é tudo o que apetece à essência racional do homem e como é da natureza do homem viver em sociedade e o bem comum e o bem particular fazem parte de um mesmo gênero, o bem comum e o particular são participáveis entre si e não duelam.


O Estado tem por finalidade imediata a gestão do bem comum e sua finalidade mediata é a salvação eterna dos homens que constituem uma sociedade sob sua direção; primeiro porque o bem comum se refere à religião verdadeira também, segundo porque a finalidade última do homem é para Deus e como não pode haver contradição entre os fins do Estado e a finalidade do homem, daí decorre o princípio.

Pois bem, a medida de “confinamento” empregada pelo Estado brasileiro com o fim de debelar o “coronavirus” se justifica à luz do bem comum?

Sustentamos que não.

Os fins não justificam os meios, assim, segundo o Aquinate:  um ato, embora proceda de uma boa intenção poderá se tornar ilícito se não for proporcionado ao fim (II-II, q.64, a7. Ad c).

Entendemos que as medidas impostas à população, extrapolam a proporção em relação à finalidade, assim o fim é legítimo: salvas vidas, porém, os meios escolhidos para isto são inadequados.

Como analogia, vemos o caso dos acidentes de trânsito que matam no Brasil mais de 30 mil pessoas por ano, seria lícito com base nestes dados proibir os carros de circularem? Não, porque seria uma medida desproporcional e dificultaria a vida em sociedade e causaria mais danos do que as próprias mortes que evitaria e poderiam haver medidas a serem feitas para coibir isto sem haver a drástica proibição total, tais como: melhorar estradas, ter carros mais seguros, leis sábias no trânsito etc. Ou seja, haveria, outros meios mais racionais de se deter a matança.

Por que não se pensa igual ao caso do coronavírus?

Ao se amenizar o confinamento, não se cuida de trocar vida por dinheiro, como se alega, mas sim de vida por vida. Corre-se o risco, com este confinamento, de se esgarçar completamente o tecido social, de causar mais danos do que o que se quer evitar, assim, os casos de suicídio deverão aumentar, a fome, a violência, etc. E numa possibilidade mais extrema até mesmo prejudicar o regular funcionamento do Estado.

Trabalho é o meio universal de prover às necessidades da vida (Leão XIII, Rerum Novarum), desta forma, ele não se refere somente ao dinheiro, mas sim, à própria sobrevivência das pessoas, logo, o tolhimento de sua atividade, como se está vendo, é algo gravíssimo.

Poderiam ser empregadas outras medidas que não o confinamento radical (mesmo porque não se tem certeza absoluta de sua eficácia no longo prazo) que se vive, como por exemplo: limitação racional da convivência, confinamento somente do “grupo de risco” etc. Assim, como no caso dos “acidentes de trânsito” outros meios mais racionais poderiam ser utilizados.

E há outra questão gravíssima, a proibição de missas e as igrejas fechadas, fato que mostra uma visão naturalista da vida e que foi defendida, vergonhosamente, por muitos bispos. Ora, o melhor modo de combater a pandemia, além dos meios naturais, seriam as práticas piedosas que a Igreja sempre recomendou fazer: oração, jejum etc. E principalmente, ir à missa e comungar pedindo a Deus o alívio da pandemia.

Com isto, o Estado viola sua finalidade mediata e tolhe um dos meios de se combater o vírus, que é o sobrenatural.

E há outra gravidade nestas medidas extremas, que se relaciona com o bem comum, que é claramente o emprego nesta questão do “cientificismo”, por esta palavra se entende uma ideologia falsa que prega a superioridade das ciências naturais sobre todas as outras e que a sociedade deveria se pautar pelas conclusões dadas por elas, externadas pelos “cientistas”.

Teologia, Filosofia, Direito e Política são ciências amplas, relacionam-se à noção de conjunto, assim a Filosofia se adere às causas primeiras, o Direito se refere às leis gerais e a relação ser-ter. Política se refere ao governo da sociedade. Teologia à Deus, a causa das causas.

As ciências naturais têm alcance mais restrito, assim a medicina se refere à saúde e à vida, e a ciência da física às leis da natureza. A parte serve ao todo e não o contrário. Assim, dada uma questão de saúde pública, ela tem de ser analisada sob a luz da moral, do bem comum, da Política (aqui usada no sentido clássico e não no atual) e do Direito etc.

A medicina, neste caso do “coronavirus”, se impôs, acima das outras ciências e isto está errado, invertem-se os princípios e abre caminho para uma sociedade totalitária cientificista, como já vê nas questões de “mudanças climáticas”, nas quais, uma suposta conclusão promovida por “cientistas” ligados às ciências naturais, se violada, levaria ao colapso da sociedade.

Há se notar um duplo erro do cientificismo: primeiro, a noção falsa do primado das ciências naturais. Segundo, estas ciências estão contaminadas por visões ideológicas de toda índole: igualitarismo, paganismo, panteísmo etc.

Mesmo porque, propriamente não se tem mais “Ciência Natural”, que seria o estudo das suas causas primeiras, mas sim técnica, que se entende pela compreensão de determinadas leis da natureza e seu emprego indistinto. Assim, por exemplo, o aborto é contrário à Medicina, pois viola suas causas primeiras, a defesa da vida e da saúde, e no entanto, utilizam-se técnicas médicas para a consecução deste horrendo crime. É um caso clássico da técnica contra a ciência, tudo dentro da “Medicina”.

Mas, parece que tudo está corrompido, todas as ciências estão contaminadas por vieses ideológicos e perdeu-se a noção de bem comum e a noção de finalidade do Estado.

Que Deus tenha piedade de nós.

Marcelo Andrade, São Paulo, 15 de abril de 2020.


[1] Dicionário de Política, Clovis De Lema Garcia e outros.
[2] Ibidem