20 junho, 2018

“Aborto? Não em meu nome”


No Dia Internacional da Mulher, 8 de março (2017), o Partido Socialismo e Liberdade (PSol) ajuizou no Supremo Tribunal Federal a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 442) solicitando que os artigos 124 e 126 do Código Penal, que incriminam o aborto, sejam “reinterpretados” conforme a Constituição, a fim de que não seja considerado crime o aborto praticado até três meses de gestação. Os argumentos revelam a pouca originalidade dos abortistas.

Segundo eles, a proibição do aborto feriria a “dignidade da pessoa humana” (da pessoa que já nasceu) e o direito “das mulheres” à vida, à liberdade, à saúde, à integridade física e psicológica, blá-blá-blá e até à igualdade de direitos com o homem, apelidada de igualdade de gênero. Esquartejar a criança por nascer com lâminas afiadas (aborto por curetagem) ou aspirá-la em pedacinhos (aborto por aspiração) não violaria a proibição constitucional da tortura. Mas impedir que a mulher aborte durante o primeiro trimestre seria causar nela um mal-estar qualificável como tortura (!), o que é vedado pela Constituição.


Revoltante em tudo isso não é apenas a hediondez do aborto, o mais covarde dos assassinatos, mas também o infame meio empregado para a sua descriminalização. Sem conseguir êxito no Parlamento, onde os representantes do povo brasileiro repetidas vezes rechaçaram e sepultaram os projetos de lei abortistas, o caminho agora — chamado certa vez por Ellen Gracie de “atalho fácil”[1]— é o Supremo Tribunal Federal. Seus 11 ministros são chamados a interpretar, reinterpretar e “desinterpretar” a Carta Magna de modo a encontrar algum pretexto que favoreça a tese abortista.

Isso é golpe, no sentido mais forte da palavra. Um golpe no Estado de direito, um golpe na harmonia e na separação dos Poderes, um golpe na representatividade dos cidadãos. Os juízes do STF que acolherem a hedionda tese afrontarão o povo brasileiro, que, na sua quase totalidade, é contrário ao aborto. Um desses ministros chegou a declarar que “não deve satisfação a ninguém”[2]. O que talvez possa ser assim entendido: “Não devo satisfação aos cidadãos, nem à minha consciência, faço o que quero”.

Tentar legalizar o crime via STF é usar o mesmo ardil utilizado em 1973 nos Estados Unidos, no caso Roe versus Wade, em que a demandante Jane Roe, alegando falsamente ter sido vítima de estupro, sob a orientação de advogados sem noção de ética, conseguiu que a Suprema Corte declarasse inconstitucional todas as leis dos 50 estados da Federação que proibiam o aborto nos dois primeiros trimestres. De um só golpe, por sete votos a dois, a legalização do aborto até o sexto mês foi imposta a todo o país. Como argumento, usou-se, por um lado, o direito da gestante à “privacidade”, por outro, a negação de que o nascituro seja uma pessoa. Até hoje os Estados Unidos gemem sob a ditadura de um tribunal iníquo.

Algo semelhante parece estar para acontecer no Brasil. O ministro Barroso, que se notabilizou por sua habilidade sofística quando, como advogado, pleiteava a liberação do aborto de anencéfalos (ADPF 54), já se posicionou em 2016, no HC 124.306-RJ, em defesa do aborto no primeiro trimestre por simples solicitação da gestante. Segundo ele, a Constituição protege a vida do nascituro (por ele chamado feto), mas tal proteção é ínfima no início da gestação e só vai crescendo à medida que a criança atinge “viabilidade extrauterina”. A vida do bebê nas primeiras semanas é, para Barroso, tão desprezível que ele considera absurdo proibir a mãe de matá-lo. Na ocasião, esse esdrúxulo entendimento foi acompanhado pela ministra Rosa Weber, hoje relatora da ADPF 442.

Louve-se a atitude das autoridades[3], que, intimadas a se manifestarem, posicionaram-se contra o aborto e consideraram a Suprema Corte incompetente para alterar a legislação brasileira. Há fundado temor de que a ministra Rosa julgue procedente o pedido de descriminalizar o aborto via STF. Se isso acontecer, espero que ela jamais diga que defende o aborto “em nome das mulheres”. Pois, com exceção de Dilma Rousseff, que pertence ao triste passado político desta nação, nenhuma outra mulher escolheu Rosa Weber para ocupar o STF, muito menos para legislar no lugar do Legislativo. Menos ainda para criar o direito de assassinar crianças no útero materno, sob o mais falacioso dos argumentos: proteger a dignidade da mulher.


Maria José Miranda Pereira.
Promotora de Justiça do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. Artigo publicado no Correio Braziliense, 19 maio 2018, p. 11. As notas de rodapé foram acrescentadas pelo Pe. Luiz C. Lodi.


[1] 
“Não há o Supremo Tribunal Federal de servir como ‘atalho fácil’ para a obtenção de resultado” (Ellen GRACIE. Voto em questão de ordem na ADPF 54, 27 abr. 2005, p. 16)
[2] “Não devemos satisfação, depois da investidura, a absolutamente mais ninguém” (Luiz FUX, no 10º Encontro Nacional do Poder Judiciário, 5 dez. 2016).
[3] Entre elas o presidente Michel Temer, o Senado Federal e a Câmara dos Deputados.