05 novembro, 2016

Kant e a Morte da Metafísica (PARTE IV)

Os mistérios do mundo cristão

“Se algum dia os fundamentos da terra puderem ser sondados, somente então poderia eu abandonar a raça de Israel” (Jeremias 31:37)





Os mistérios são fenômenos insondáveis. O mistério é o equilíbrio de aparentes paradoxos. A importância do mistério não reside em ser desvendado, mas em desvendar o mundo. Porque o mistério é como uma luz, contra a qual não podemos olhar diretamente, mas que ajuda a enxergar todo o resto. Tomemos como exemplo o Pecado Original. Se esse mistério fosse conhecido por Rousseau, não implicaria no ingênuo mito do Bom Selvagem. Sobre o qual a célebre frase: “O homem nasce puro e a sociedade o corrompe”. Faltou dizer quem corrompeu a sociedade... Se o Pecado Original fosse considerado por Karl Marx, ele certamente não colocaria a culpa dos males do mundo na propriedade. Pobre propriedade.

Tomamos o Pecado Original como exemplo, porque grande parte do problema da gnose e das filosofias modernas surge da deficiência em explicar a origem do mal. Por mais elaborado e elegante que pareça o sistema gnóstico, ele sempre vai tropeçar na questão da origem do mal. E no final das contas vai cair em contradição, ou numa fábula bem menos crível que o Texto das Escrituras. Todavia, podemos tomar cada mistério isoladamente e encontraremos nele fundamento para realidade. Segundo G. K. Chesterton: "o homem pode compreender tudo com a ajuda daquilo que não compreende". Os mistérios da fé católica nos ajudam a entender o mundo e a existência.

"Desde a criação do mundo, as perfeições invisíveis de Deus, o seu sempiterno poder e divindade, se tornam visíveis à inteligência, por suas obras; de modo que não se podem escusar." (Rm 1,20)

"Denzinger - 3016. Em verdade, a razão, iluminada pela fé, quando investiga diligente, pia e sobriamente, consegue, com a ajuda de Deus, alguma compreensão dos mistérios, e esta frutuosíssima quer pela analogia das coisas conhecidas naturalmente, quer pela conexão dos próprios mistérios entre si e com o fim último do homem; nunca, porém, se torna capaz de compreendê-los como compreende as verdades que constituem o seu objeto próprio, pois os mistérios divinos, por sua própria natureza, excedem de tal modo a inteligência criada, que, mesmo depois de revelados e aceitos pela fé, permanecem ainda encobertos com os véus da mesma fé, e como que envoltos em um nevoeiro, enquanto durante esta vida vivermos ausentes do Senhor; pois andamos guiados pela fé, e não pela contemplação [2 Cor 5,6 s]." (PIO IX - Concílio do VATICANO I (20° ecumênico): 1869 - 1870 - grifos nossos).

"Denzinger - 3026. Cân.1 – Se alguém disser que o Deus uno e verdadeiro, Criador e Senhor nosso, não pode ser conhecido com certeza pela luz natural da razão humana, por meio das coisas criadas – seja excomungado [cf. nº 1785]." (PIO IX - Concílio do VATICANO I - 2. Sobre a revelação: 1869 - 1870)."

Os modernistas acusam os cristãos por não conseguirem resolver seus mistérios. Mas os mistérios são justamente a parte da realidade que não deve ser resolvida. O Inferno, por exemplo, não é para ser compreendido racionalmente, mas para ser evitado a todo custo. Os modernistas dizem que não existe fundamento racional para a ética (embora pareça racional evitar o fogo eterno), e a verdade é que realmente não existe. Não há fundamento racional para a ética, simplesmente porque não é para haver. Toda ética e toda a moral se fundam na Religião, e não na razão. E a Religião consiste no tesouro, que nos foi entregue pelo Deus vivo. A grande descoberta do racionalismo foi perceber que nossa razão não é capaz de explicar a ética. Brilhante.


Bruno Silveira

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