15 janeiro, 2016

A RACIONALIDADE DO CALENDÁRIO GREGORIANO

Por Prof. Miguel Frasson,

Um caro amigo meu, Sr. Antonio Manuel da Silva Filho, de Recife1, perguntou-me sobre o que tinha a dizer sobre a racionalidade do Calendário Gregoriano, assunto que já estudei por ocasião de uma palestra que ministrei intitulada Em que dia da semana você nasceu?2, na USP de São Carlos-SP, onde leciono. Com alegria respondo-lhe nas seguintes linhas.

O que é o Calendário Gregoriano

É um calendário anual, baseado no antigo Calendário Juliano, implementado em 1582 mas cuja adoção variou muito entre as nações, onde os anos são contados a partir no nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo (ano 1), o ano inicia-se em 1º de janeiro e cada ano tem 365 dias, exceto os anos chamados bissextos, com 366 dias, que são os anos
     

* divisíveis por 4;

*  exceto os divisíveis por 100 mas não por 400.

O 2º item quer dizer que a cada 400 anos, 3 anos deixaram de ser bissextos (em relação ao Calendário Juliano): 1700, 1800, 1900, 2100, 2200, 2300, 2500, etc, não são bissextos.

Origem do Calendário Gregoriano

Em meados do século XVI era notório que algo não ia bem com a sincronização entre o calendário civil e as estações do ano. O equinócio de primavera3 tipicamente deveria ocorrer em 20 de Março, mas estava ocorrendo com 10 dias de atraso. Este atraso implica que o Domingo de Páscoa4 ocorreria muito tarde no calendário civil e complicaria o ano litúrgico.


O Papa da época, Gregório XIII, reuniu uma comissão de especialistas para estudar uma reforma ao Calendário Juliano. À época, averiguaram que o Calendário Juliano acumulava uma média de 3 dias de erro a cada 400 anos e propuseram as seguintes mudanças:

      Para corrigir o erro acumulado até a época, omitir 10 dias do calendário civil (saltaram-se os dias 5 a 14 de outubro de 1582).

      Eliminar 3 anos bissextos a cada 400 anos (como descrito acima).

A aceitação das reformas propostas pelo papa variaram imensamente no orbe, e foi desde a aceitação imediata por vários países católicos, com atraso de mais de um século pelos países ou territórios protestantes (ex. Inglaterra adotou-o em 1752), até os que demoraram mais, notoriamente os países com outras religiões (cristãos ortodoxos, islamitas, orientais) ao redor do início do século XX.

Como uma curiosidade, William Shakespeare (inglês) and Miguel de Cervantes (espanhol) aparentemente morreram na mesma data (23 de Abril de 1616), mas na verdade a morte de Cervantes antecipou-se em 10 dias a de Shakespeare (pois Espanha usava o Calendário Gregoriano e a Inglaterra, o Juliano). Esta coincidência fez com que a UNESCO proclamasse o dia 23 de Abril o Dia Internacional do Livro.


Outra simplificação trazida junto ao Calendário Gregoriano foi a adoção do dia 1º de janeiro como dia de ano novo. Antes, o ano novo era no dia de Natal, 25 de Dezembro. Isto gerava alguma confusão dado que a mudança do ano era no meio do mês.



Precisão do Calendário Gregoriano

Assim, no Calendário Gregoriano a cada 400 anos, temos 97 anos bissestos, ou seja, a cada 400 anos temos (400−97) × 365 + 97 × 366 = 146.097 dias.


No Calendário Juliano teríamos a cada 400 anos, 300 × 365 + 100 × 365 = 146.100 dias.

A astronomia mede a duração do ano tropical (tempo levemente variável que leva de um equinócio de primavera a outro) em aproximadamente 365 dias, 5 horas, 49 minutos e 30 segundos. Isto dá um total de 365 × 86400 + 5 × 3600 + 49 × 60 + 30 s = 31556970 s = 365,242708333 dias. A este tamanho, a cada 400 anos, teremos 400 × 365,242708333 = 146.097,083 dias. Assim, o erro do Calendário Gregoriano seria de apenas 2 horas a cada 400 anos. Uma bela precisão!

A título de conclusão

Vimos que o Calendário Gregoriano é extremamente preciso, que corrigiu o erro acumulado pelo Calendário Juliano desde sua adoção em 45 aC, que simplificou o ano novo de 25 de Dezembro para 1º de Janeiro. O erro do Calendário Gregoriano é de um dia a cada 3.000 anos.


Quanto a motivações religiosas para a reforma, não se as vê ou são muito tênues. Ainda que existam, é fato que todos os calendários existentes na face da Terra tiveram motivações religiosas.


Por exemplo, antes do Calendário Juliano, vários deuses romanos nomeavam os meses e dias da semana. A reforma de Júlio César corrigiu o antigo calendário de 365 dias acrescentando os anos bissextos, mas para homenagear-se, Júlio César, a quem se prestava culto, alterou para Julho o nome do mês que era chamado Quintilis, assim como Sextilis tornou-se Agosto em homenagem ao primeiro imperador romano César Augusto.


Ao contrário de Júlio César, o Papa não alterou nada a fim de refletir de alguma forma a soberania de Nosso Senhor Jesus Cristo, nem retirou os nomes dos deuses romanos, limitando-se a impor alterações corretivas no tempo. Quanto ao mandatário da reforma ser um Pontífice Romano, disso não vem desabono à reforma, mesmo por parte dos inimigos de Jesus Cristo e sua Igreja, que lhe devem um calendário mais preciso. Tais objeções não passam de uma flagrante contradição da parte dos próprios objetores, que não se dariam ao trabalho de resmungar não fossem suas próprias motivações religiosas.


Portanto, com folga, podemos concluir que o Calendário Gregoriano, feito com a finalidade de corrigir os erros acumulados e evitar futuras distorções, foi baseado exclusivamente na razão. Ao amigo Sr. Antônio respondo que é patente a racionalidade do Calendário Gregoriano.

1 Onde o autor passou o ano de 2011 em programa de Pós-doutorado em Matemática na UFPE.
3 O Equinócio de primavera é a data na primavera do hemisfério norte em que o dia e a noite têm a mesma duração.
4 O dia do domingo de Páscoa é, por definição, o primeiro domingo de lua cheia depois do equinócio de primavera.

Prof. Miguel Frasson.

Contato: frasson@icmc.usp.br